A Câmara Municipal de Natal aprovou o substitutivo ao projeto encaminhado pela Prefeitura para regulamentar a apresentação, execução e prestação de contas das emendas parlamentares impositivas. Embora o Executivo tenha enviado a proposta em meio à pressão do Ministério Público, motivada pela repercussão do caso envolvendo a vereadora Brisa Bracchi, os vereadores aprovaram um texto mais brando do que o original.
Na prática, o substitutivo retirou alguns dos principais mecanismos de controle previstos pela Prefeitura, especialmente aqueles relacionados às emendas destinadas a eventos culturais, esportivos e de lazer. Esses pontos foram justamente os que vinham sendo debatidos após a abertura de inquérito pelo Ministério Público, que passou a questionar o uso das emendas como fonte de financiamento de eventos com potencial caráter político ou promocional.
Caso Brisa impulsionou discussão, mas resultado final reduz controles
O debate ganhou força após Brisa Bracchi (PT) destinar dezoito mil reais para apoiar o evento “Rolê Vermelho – Bolsonaro na Cadeia”, registrado como festejo popular. O Ministério Público apura possível desvio de finalidade e a Câmara abriu um processo que pode resultar na cassação da vereadora. Foi essa situação que levou a Prefeitura a acelerar o envio da proposta, já que, até então, não havia regulamentação específica no município para definir limites, formatos de execução e mecanismos de fiscalização das emendas.
O texto original elaborado pelo Executivo buscava fechar brechas e criar uma blindagem mínima contra o uso político das verbas. Porém, a versão aprovada pelos vereadores acabou alterando pontos sensíveis.
O que mudou
A comparação entre o projeto original e o substitutivo aprovado revela mudanças importantes:
1. Proibição de cobrança de ingresso foi retirada
A Prefeitura propunha vedar o financiamento de qualquer evento que cobrasse ingresso quando custeado por emenda. A ideia era evitar que dinheiro público servisse como subsídio a iniciativas privadas ou lucrativas.
O substitutivo suprimiu completamente essa regra. A justificativa apresentada no documento é que a proibição seria “desarrazoada” porque alcançaria eventos educacionais e congressos, e que a cobrança parcial poderia garantir “sustentabilidade financeira”.
Na prática, abre-se espaço para que eventos pagos recebam recursos das emendas, desde que cumpram obrigações formais.
2. Proibição expressa de indicação de artistas foi excluída
O projeto da Prefeitura vedava de forma direta qualquer indicação nominal de artista, empresa, banda ou fornecedor pelo autor da emenda, justamente para impedir arranjos políticos e acordos informais de apadrinhamento.
O substitutivo derrubou esse trecho. A versão aprovada não impede, de forma explícita, que o vereador sugira atrações, retirando uma amarra que era considerada essencial pelo Executivo. O texto mantém apenas a regra geral de contratação conforme a legislação e a preferência por credenciamentos vigentes, mas sem blindagem específica contra interferência política.
3. Limites e amarras para quantidade e tipo de emendas também caíram
O Executivo estabelecia que cada vereador poderia apresentar até vinte emendas, além de três suplementares para continuidade de obras. Também fixava que setenta por cento das emendas (exceto as de saúde) deveriam ir para despesas de capital.
O substitutivo suprimiu ambas as exigências.
A avaliação da Câmara é que esses limites interferem na autonomia parlamentar. Na prática, o texto aprovado flexibiliza o direcionamento das emendas e aumenta a margem para destinação a custeio, incluindo eventos.
4. Retirada de regras específicas de transparência para entidades sociais
O projeto original obrigava organizações da sociedade civil que recebessem emendas a manter site próprio com relatórios de execução.
O dispositivo foi removido pelo substitutivo sob argumento de excesso de formalidade.
Continua havendo obrigação de prestação de contas, mas sem o reforço de transparência adicional que a Prefeitura pretendia.
O que foi mantido
O substitutivo preservou os pontos que interessam aos vereadores e as obrigações de adequação à legislação federal específica sobre o tema:
-
destinação de dois por cento da receita tributária para as emendas;
-
divisão igualitária entre os vereadores;
-
mínimo de cinquenta por cento para ações e serviços de saúde;
-
impedimento de caráter político partidário;
-
exigência de licenças e alvarás para eventos;
-
criação do Portfólio de Projetos do Município;
-
execução obrigatória das emendas salvo impedimento técnico;
-
sistema eletrônico para gestão e rastreamento das emendas.
Mesmo com isso, as alterações no capítulo sobre eventos são as que mais geraram comentários nos bastidores, sobretudo diante do contexto que motivou o envio do projeto.
O texto aprovado demonstra que, embora o caso Brisa tenha motivado a discussão e pressionado a Câmara a votar o tema, prevaleceu uma posição de manter a prática que adotada pelos vereadores de indicarem artistas ou bandas que lhes apoiam ou trabalham para eles nas campanhas eleitorais, por valores em geral muito acima do que é pago no mercado privado de eventos. A exclusão de restrições que tratavam diretamente de práticas recorrentes na execução das emendas — como influência na contratação de artistas e apoio a eventos pagos — indica resistência do Legislativo em abrir mão de instrumentos políticos que há anos fazem parte da dinâmica das emendas como ficou mais evidente a partir do caso Brisa e a consequência transparência dada a outros eventos como o financiamento de uma festa para comemorar o aniversário de um vereador.
Com isso, Natal terá finalmente uma lei sobre emendas impositivas, mas uma lei moldada pelos próprios vereadores, em uma versão que preserva grande parte das margens de atuação política que a legislação pretendia reduzir.