Houve um tempo em Natal em que as noites se alongavam até o amanhecer, quando a cidade parecia mais leve e descomplicada. Eram anos em que fumar dentro dos bares era parte do ritual, beber e depois pegar o carro não causava espanto, e a sensação de segurança fazia da madrugada um território livre. A orla central era o coração dessa vida noturna, com a Praia dos Artistas como palco de encontros de todas as tribos: surfistas que ocupavam o mar durante o dia, jovens de diferentes estilos que lotavam os bares e restaurantes à noite, espaços democráticos que recebiam tanto os mais abastados quanto os que buscavam apenas uma cerveja gelada e boa conversa. Ali, as praias centrais se transformavam no verdadeiro point da juventude e da cidade.
Foi nesse clima que nasceu, em 1985, o Chaplin Bar e Restaurante, debruçado sobre a Praia dos Artistas e a Ponta do Morcego. Mais que uma casa noturna, ele trouxe a Natal um conceito cosmopolita: gastronomia refinada, ambiente elegante e música em sintonia com o espírito da época. Rapidamente, o Chaplin se tornou parte da rotina afetiva da cidade, um lugar onde gerações se cruzaram, casais se formaram, artistas se apresentaram e políticos dividiram a mesa com boêmios e artistas nacionais que passvam por Natal. Nos anos 1990, o espaço ganhou novas formas, com o Hooters Vídeo Bar, uma boate que importava a moda americana do bar conhecido pelas garçonetes gostosonas, que revelava muitas coelhinhas da playboy. Já nos anos 2000, o Chaplin seguia como coração pulsante da vida noturna de Natal, testemunha de encontros improváveis e histórias que atravessaram décadas.
Quarenta anos depois, o pernambucano Paulo Gallindo, alma potiguar por escolha e paixão, revisita essa trajetória que ajudou a escrever não apenas a história de uma casa, mas a de uma cidade que na época teve o privilégio de viver a noite à beira-mar.
ENTREVISTA PAULO GALLINDO
Por Heverton de Freitas
Paulo, 40 anos é uma marca importante. Como foi o início da jornada do Chaplin? Qual era a sua visão para o espaço quando o abriu pela primeira vez?
O Chaplin nasceu em 1985 com uma proposta ousada e inovadora para a época: ser mais do que uma simples casa noturna. Queríamos criar um verdadeiro ponto de encontro para quem buscava sofisticação, lazer e boa gastronomia — algo que Natal ainda não oferecia.
Desde o início, nossa visão era muito clara: proporcionar uma experiência completa, em que cada detalhe — do ambiente ao atendimento, do cardápio à música — tudo pensando em encantar e fidelizar o público. Sonhávamos com um espaço onde as pessoas pudessem tomar um bom drink, desfrutar de uma culinária de qualidade, reencontrar amigos e apreciar a vista deslumbrante da praia.
Para transformar esse sonho em realidade, contei com o apoio fundamental dos meus irmãos, André e Bosco Gallindo, e do meu saudoso cunhado, Murillo Felinto. Eles foram peças-chave para o nascimento e o sucesso do Chaplin. Não posso deixar de destacar também minha esposa, Cláudia, cuja visão empreendedora foi essencial nesse processo. Cada um contribuiu de forma única para transformar o Chaplin no ícone que é hoje.
Como era o cenário de entretenimento e vida noturna em Natal naquela época?
Naquela época, Natal ainda engatinhava no cenário da vida noturna. O turismo dava seus primeiros passos, e as opções de lazer eram bastante limitadas — especialmente quando se buscava algo com bom gosto, aliado a um ambiente aconchegante e uma proposta mais sofisticada.
O que me inspirou foi justamente essa lacuna. Eu já havia tido experiência com uma boate no Hotel Reis Magos, o que me deu ainda mais certeza de que havia espaço — e demanda — para algo novo e diferente. Queria criar um lugar cosmopolita, que dialogasse com o que se via em grandes centros como Rio de Janeiro e São Paulo, mas com o charme, a essência e a hospitalidade potiguar.
Foi com essa visão que nasceu o Chaplin Bar e Restaurante — para ser mais que uma casa noturna, e sim um marco na vida social da cidade.
O nome "Chaplin" evoca uma certa nostalgia. Houve alguma inspiração específica por trás da escolha desse nome?
Sim, a escolha do nome foi profundamente inspirada em tudo o que Charles Chaplin representa: arte, sensibilidade, humor inteligente e um toque de melancolia. Ele é um ícone universal, e seu nome carrega exatamente o tom que eu queria para a casa — algo atemporal, elegante e, especialmente, com alma.
Acima de tudo, sou fã de Charles Chaplin. Ele foi um dos grandes atores e cineastas da história, deixando uma marca profunda tanto no cinema mudo quanto no falado. Assisti a quase todos os seus filmes.
Um dos elementos que ajudaram a consolidar a identidade do Chaplin ao longo dos anos foi a criação da figura do personagem Charles Chaplin dentro do restaurante. Um artista caracterizado circulava entre as mesas interagindo com os clientes, divertindo adultos e encantando crianças com sua semelhança e gestos clássicos do personagem original. Sempre abanando sua cartola
Ao longo de quatro décadas, o Chaplin certamente passou por muitas transformações. Quais foram os maiores desafios e as maiores alegrias que você enfrentou?
Os desafios foram muitos: enfrentamos crises econômicas, mudanças no comportamento do público, modismos passageiros, avanços tecnológicos. Mas as alegrias sempre superaram tudo isso. Ver gerações se encontrando no Chaplin, casais que se conheceram ali, que se uniram, que tiveram filhos, artistas que iniciaram suas carreiras no nosso palco. isso não tem preço.
Como pernambucano, me sinto profundamente realizado por ter vindo para Natal, ter me dedicado com tanto amor ao meu trabalho e, aqui, ter formado minha família — e, claro, o Chaplin.
Você é um empresário do ramo do entretenimento e da gastronomia, como avalia a evolução do público e dos gostos musicais e culturais em Natal?
O público de Natal amadureceu significativamente nos últimos anos. O crescimento do setor turístico teve um papel fundamental nesse processo, influenciando diretamente os hábitos de consumo e o interesse cultural da população local. Hoje percebemos uma valorização muito maior da gastronomia regional, agora repaginada com toques contemporâneos, - e da experiência como um todo _ da ambientação ao serviço, passando pela valorização dos espaços.
O consumidor natalense está mais exigente, mais bem informado e, ao mesmo tempo, mais aberto a novas propostas. Isso nos desafia a inovar constantemente. É um momento promissor para quem está atento às transformações do mercado.
Em um mercado competitivo, o que você acredita que fez o Chaplin permanecer relevante e querido por tantos anos?
Autenticidade. O Chaplin atravessou gerações mantendo viva a sua essência, mas sempre com a flexibilidade de se reinventar. Acompanhamos a chegada de novos estilos, tendências gastronômicas e mudanças no comportamento do público, mas sem perder nossa identidade. Inovamos no cardápio, no serviço, na ambientação e na área de entretenimento — sempre com muito cuidado e atenção aos detalhes.
Mais do que um restaurante ou espaço de eventos, o Chaplin se tornou parte da memória afetiva de Natal. Esse vínculo emocional com o público, aliado ao compromisso com a qualidade, é o que nos mantém relevantes ao longo do tempo.
Olhando para frente, quais são seus planos e aspirações para os próximos anos do Chaplin? Há alguma novidade ou projeto em mente?
Estamos preparando uma grande celebração para os 40 anos do Chaplin, no dia 19 de setembro de 2025 — uma data muito simbólica para nós. Ao longo dessas quatro décadas, evoluímos junto com a cidade, e hoje temos orgulho de ser reconhecidos como uma das melhores casas de recepção de Natal, com um ambiente único e uma vista deslumbrante da Praia do Meio.
Nosso olhar para o futuro é de entusiasmo. Queremos continuar surpreendendo, oferecendo experiências que encantem não apenas pelo sabor, mas pela atmosfera, pela música, pelo serviço e pelo sentimento que fica. Novos projetos vêm aí, sempre com o propósito de honrar nossa história e, ao mesmo tempo, acompanhar as transformações do mercado.
Qual a memória mais marcante ou engraçada que você guarda desses 40 anos de Chaplin? Conte alguma história engraçada ou interessante que você se lembra desses todos na Casa?
Ah, quem não tem uma história sobre o Chaplin, não é? Mas uma das memórias mais marcantes — e, hoje, até engraçada — foi justamente antes da nossa inauguração. O Governo do Estado do RN nos procurou pedindo para anteciparmos a abertura da casa, porque ia acontecer o maior evento já realizado no Centro de Convenções de Natal: o Congresso de Diretores Lojistas do Brasil, com mais de 5 mil participantes de todo o país.
Esses congressistas não tinham onde curtir o lazer em Natal na época, então corremos contra o tempo. Aceleramos o cronograma da obra em um mês para conseguir abrir a tempo do evento. Inauguramos a parte social da casa, mas com um pequeno (grande) detalhe: a cozinha ainda não estava totalmente pronta.
Imagine só: casa cheia, um evento desse porte, e a estrutura da cozinha inacabada! Foi um desafio enorme. Mas, graças a Deus, deu tudo certo. Eu, meus irmãos, Murillo e toda a família literalmente colocamos a mão na massa. Entramos na cozinha, trabalhamos juntos e fizemos o evento acontecer. Foi um dia de muita emoção, superação e que ficou para sempre na nossa memória.