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Livros para quê?

Vi recentemente o espetáculo Céu da Língua, uma viagem lingüística com a dramaturgia de Gregório Duviviver. Ele conta que o poeta Manoel Bandeira certa vez apontou que o melhor verso da língua portuguesa estava nos versos finais de Chão de Estrelas de Orestes Barbosa, que conta a história da mulher que morava num barraco com  teto de zinco furado por onde passava a luz do céu levando-a a pisar nas estrelas refletidas no chão do barraco. Tudo  isso em um verso resumido no verso:

“Tu pisavas nos astros, distraída”

Até que Caetano Veloso, cumprindo a tradição de os mais novos negarem o que existe para apresentar uma proposta melhor, chegou com Livros, de 1997, que se inicia com ‘Tropeçavas nos astros desastrada’, uma referência  direta  a Chão de Estrelas, ainda mais poética.

Em homenagem a esses grandes poetas segue a poesia de Livros e de Chão de Estrelas 

LIVROS

Caetano Veloso

Tropeçava nos  astros desastrada

Quase não tínhamos livros em casa
E a cidade não tinha livraria
Mas os livros que em nossa vida entraram
São como a radiação de um corpo negro
Apontando pra a expansão do Universo
Porque a frase, o conceito, o enredo, o verso
E, sem dúvida, sobretudo o verso
É o que pode lançar mundos no mundo

Tropeçavas nos astros desastrada
Sem saber que a ventura e a desventura
Dessa estrada que vai do nada ao nada
São livros e o luar contra a cultura

Os livros são objetos transcendentes
Mas podemos amá-los do amor táctil
Que votamos aos maços de cigarro
Domá-los, cultivá-los em aquários
Em estantes, gaiolas, em fogueiras
Ou lançá-los pra fora das janelas
Talvez isso nos livre de lançarmo-nos
Ou o que é muito pior por odiarmo-los
Podemos simplesmente escrever um

Encher de vãs palavras muitas páginas
E de mais confusão as prateleiras
Tropeçavas nos astros desastrada
Mas pra mim foste a estrela entre as estrelas

Os livros são objetos transcendentes
Mas podemos amá-los do amor táctil
Que votamos aos maços de cigarro
Domá-los, cultivá-los em aquários
Em estantes, gaiolas, em fogueiras
Ou lançá-los pra fora das janelas
Talvez isso nos livre de lançarmo-nos
Ou o que é muito pior por odiarmo-los
Podemos simplesmente escrever um

Encher de vãs palavras muitas páginas
E de mais confusão as prateleiras
Tropeçavas nos astros desastrada
Mas pra mim foste a estrela entre as estrelas

 

CHÃO DE ESTRELAS

Orestes Barbosa

Minha vida era um palco iluminado
Eu vivia vestido de dourado
Palhaço das perdidas ilusões
Cheio dos guizos falsos da alegria
Andei cantando a minha fantasia
Entre as palmas febris dos corações

Meu barracão no morro do Salgueiro
Tinha o cantar alegre de um viveiro
Foste a sonoridade que acabou
E hoje, quando do Sol, a claridade
Forra o meu barracão, sinto saudade
Da mulher pomba-rola que voou

Nossas roupas comuns dependuradas
Na corda, qual bandeiras agitadas
Pareciam um estranho festival
Festa dos nossos trapos coloridos
A mostrar que nos morros mal vestidos
É sempre feriado nacional

A porta do barraco era sem trinco
Mas a Lua, furando o nosso zinco
Salpicava de estrelas nosso chão
Tu pisavas nos astros, distraída
Sem saber que a ventura desta vida
É a cabrocha, o luar e o violão

 


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