Uma fala aparentemente corriqueira do ex-prefeito Álvaro Dias (Republicanos) acendeu a tensão com seu sucessor, o atual prefeito Paulo Freire (União Brasil), e revelou um dado que até então vinha sendo tratado com discrição nos bastidores: a possibilidade concreta de uma Parceria Público-Privada (PPP) para gerir o novo Hospital Municipal de Natal.
Ao comentar a demora da atual gestão para abrir o hospital inaugurado no fim de seu mandato, Álvaro soltou o que muitos interpretaram como uma revelação estratégica. “Soube que ele [Paulinho] foi a Salvador para ver uma PPP para o funcionamento de um dos maiores hospitais de lá. Ele esteve vendo, visitando essa iniciativa. Também esteve em Maceió”, disse em entrevista à rádio Mix.
O novo hospital, que está sendo construído na Avenida Omar O’Grady, foi planejado ainda na gestão de Álvaro Dias com a proposta de concentrar serviços espalhados pela rede municipal, como forma de racionalizar custos e garantir eficiência ao sistema. A construção seria feita em etapas e, na visão do ex-prefeito, já há condições mínimas de operação.
Ao inaugurar a primeira fase da obra no dia 30 de dezembro de 2024 — dois dias antes de deixar o cargo — Álvaro defendia que o prédio poderia começar a funcionar com 100 leitos de enfermaria e 20 de UTI, mesmo sem toda a estrutura concluída.
Durante sua gestão, Álvaro já havia avançado na reestruturação da rede: firmou convênios com o Hospital Severino Lopes, para 50 leitos clínicos; o antigo Médico-Cirúrgico passou a abrigar a Maternidade Araken Pinto; e transferiu serviços que funcionavam no Hospital Newton Azevedo para o Hospital dos Pescadores, nas Rocas, que foi reformado para receber mais 18 leitos, onde o então prefeito inaugurou um centro cirúrgico exclusivo para atender pacientes vasculares.
Em todas as reuniões em que se tratava de custos para equipar e manter um hospital novo, Álvaro minimiza esse problema lembrando que os custos já existem com o que a prefeitura paga para manter serviços em outras unidades que podem ser unificados num só local.
O comprometimento das despesas com Saúde ficou nos últimos anos entre 28% e 32% (no ano da pandemia) da Receita Corrente Líquida, quando a obrigação constitucional dos municípios é destinar 15% da RCL para a Saúde.
O novo hospital seria, portanto, a peça final de um processo de reorganização passando a funcionar num só local, a maior maternidade pública da rede, que além do atendimento neonatal, ginecológico e obstetrício, passaria a contar com centro cirúrgico, centro de diagnóstico e uma Central de Esterilização.
A intenção dele sempre foi começar a funcionar o Hospital por etapas, transferindo para lá serviços já existentes em locais com pouca adequação e não foram poucas as reuniões para cobrar celeridade nas obras, mas efetivamente o ex-prefeito só conseguiu inaugurar o prédio no penúltimo dia da gestão.
Atual gestão diz que não há como funcionar
A atual gestão, no entanto, contesta a versão do ex-prefeito. Segundo a Secretaria Municipal de Saúde (SMS), a obra da primeira etapa ainda está em andamento, com cerca de 150 operários no canteiro. Setores essenciais, como o Administrativo e a Farmácia, seguem inacabados. A previsão de entrega foi empurrada para dezembro de 2025.
Mas a polêmica não está apenas no cronograma: ela envolve o futuro modelo de gestão do hospital. A visita do prefeito Paulo Freire a cidades como Salvador e Maceió, mencionada por Álvaro, teve como objetivo conhecer experiências de concessão e PPPs na área da saúde.
O tema, no entanto, é cercado de polêmicas em Natal. Modelos de concessão e terceirização de serviços de saúde ficaram marcados pela gestão da ex-prefeita Micarla de Souza, que tentou implantar o modelo de administração das AMEs através de Organizações Sociais (OSs), num modelo que depois se revelou usado para desvio de recursos, resultando na condenação de vários agentes públicos e privados. Os processos ainda tramitam nas instâncias superiores, mas o episódio lançou uma sombra permanente sobre qualquer tentativa de retomada desse modelo na cidade.
Mesmo assim, a atual gestão deu passos nessa direção: um edital já foi lançado para contratar OSs para administrar as quatro UPAs de Natal. O processo enfrenta contestações de sindicatos e partidos de oposição nos tribunais e em órgãos de controle.
Das muitas entidades que, segundo o edital, são sem fins lucrativos, muitas já foram desclassificadas e há quem aponte, embora o processo não tenha sido concluído, que a vencedora será uma Organização de Alagoas que já atua em Maceió.
Em entrevistas no mês de abril, o secretário de Saúde, Geraldo Pinho, previu a inauguração (de novo) da primeira etapa do Hospital Padre Pio para final deste mês. Agora é aguardar para ver se vai ser administrado pela Prefeitura ou se o município irá optar por passá-lo para gestão privada.
O fato é que as falas do ex-prefeito não foram bem recebidas pela equipe e aliados do prefeito Paulo Freire que disparam suas metralhadoras contra o ex-gestor que ainda espera ter o apoio do prefeito para disputar o governo do Estado.