Governo baixou comprometimento, mas concedeu aumentos
Entre os principais pontos que embasaram o voto do relator Gilberto Jales no julgamento ainda inconcluso das contas de Governo de 2019 no TCE, mas cuja leitura está disponível na página do Youtube, estão seis irregularidades:
- Atraso na avaliação atuarial do regime próprio de previdência, o que comprometeu a contabilização das provisões e prejudicou a transparência dos dados fiscais;
- Concessão de aumentos salariais e benefícios a servidores mesmo com o Estado já ultrapassando o limite de gasto com pessoal, em desacordo com a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF);
- Descumprimento do dever legal de reconduzir as despesas com pessoal aos limites previstos na LRF;
- Cancelamento indevido de restos a pagar processados, sem a devida justificativa legal e sem processo administrativo específico;
- Concessão de benefícios fiscais acima do previsto na Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2019, sem medidas compensatórias adequadas;
- Execução de despesa superior ao orçamento autorizado para a POTIGÁS, desrespeitando a legislação orçamentária.
O voto ainda traz um conjunto de recomendações ao Poder Executivo estadual, abrangendo desde a gestão previdenciária até o controle de restos a pagar e o planejamento de investimentos da administração indireta. Destacam-se medidas como:
- A regularização do regime próprio de previdência social (RPPS) e a adoção de plano de amortização do déficit atuarial;
- O aprimoramento da previsão de receitas de capital e a cobrança da dívida ativa;
- A observância rigorosa aos limites legais de despesa com pessoal e a melhoria na gestão dos orçamentos das empresas estatais.
Além disso, o voto determina a realização de auditoria específica na Empresa de Gestão de Recursos Tecnológicos (EMGERN) para avaliar sua execução orçamentária e possível dependência do tesouro estadual, e a abertura de processo para apuração de responsabilidade pelas infrações apontadas.
O parecer agora será enviado à Assembleia Legislativa, responsável pelo julgamento final das contas de governo.
Governo justifica com herança maldita
O Governo do Estado divulgou nota justificando as decisões adotadas naquele ano de 2019 que marcou o início do mandato da governadora Fátima Bezerra. “A gestão estadual se deparou com um colapso financeiro: folhas salariais em atraso, passivos ocultos, descumprimento de pisos constitucionais e desequilíbrio previdenciário estrutural. E em razão disso foi editado o Decreto nº 28.689/2019, declarando estado de calamidade financeira, com reconhecimento formal da Assembleia Legislativa”.
O relator no seu voto já aponta, no entanto, que “não há permissão para que o próprio ente em dificuldades financeiras declare a situação de calamidade exclusivamente por motivo financeiro. Pensar o contrário representaria uma fragilização extrema da Lei de Responsabilidade Fiscal, configurando uma verdadeira carta de dispensa do seu cumprimento.”
A nota oficial do governo ainda aponta que o Estado reduziu a despesa com pessoal, de 65,5% da Receita Corrente Líquida em 2018 para 60,56% em 2019 e aponta ações que nada tem a ver com a prestação de contas, embora façam parte de um contexto geral como o restabelecimento do calendário de pagamento e o pagamento dos salários atrasados. “Isso foi fruto de ações como auditoria de folha, revisão de contratos, coordenação entre órgãos e melhoria no monitoramento”.
Esse dado também consta no relatório que aponta pelo descumprimento do comprometimento máximo desde o 3º quadrimestre de 2016, o que inclusive deu ensejo à emissão de Parecer Prévio desfavorável à aprovação das Contas Anuais de Governo de 2016, 2017 e 2018, do então governador Robinson Faria (PL).
Após os quatro primeiros meses do mandato da governadora Fátima Bezerra, o Poder Executivo Estadual tinha comprometimento de 67,35% da RCL para os gastos com pessoal, superando em 18,35% o limite total a que se refere a LRF. No 2º quadrimestre de 2019, o percentual de comprometimento da RCL passou para 65,49% encerrou o exercício financeiro comprometendo 60,56% da RCL com gastos com pessoal. “Ainda que inferior ao verificado ao final de 2018 (65,5%), tal percentual ainda se mostra 11,56% acima do limite total do art. 20 da LRF”.
O problema é que a LRF determina uma série de medidas a serem adotadas e prazos para redução gradual desse comprometimento com a folha. Mas, ao contrário, o governo do Estado em 2019, embora estivesse muito acima do limite de despesa mandou projetos de lei e depois de aprovados, os sancionou promovendo aumentos salariais ou concessões de vantagens para diversas categorias.
A nota do governo termina com um quase apelo para que o Tribunal considere “não apenas os números, mas o contexto histórico, jurídico e social das decisões adotadas”.
Limite segue desrespeitado
Apesar da justificativa, o governo continua bem acima do limite da Lei de Responsabilidade Fiscal na relação entre o gasto com pessoal e a Receita Corrente Líquida. De acordo com o balanço publicado pelo governo, o gasto com pessoal em dezembro do ano passado estava em 57,56% quando o limite máximo permitido na LRF é de 49%.
O Congresso Nacional, no entanto, em função da pandemia da Covid, aprovou um programa de Acompanhamento e Transparência Fiscal e o Plano de Promoção do Equilíbrio Fiscal que flexibiliza a LRF em várias questões. Sob o 178, a Lei Complementar de 13 de janeiro de 2021, no seu artigo 15, instituiu um regime especial para eliminação do excesso de despesas com pessoal, apurado ao final de 2021, à razão de, pelo menos 10% a cada exercício a partir de 2023, de forma que, ao final de 2032, cada Poder ou órgão esteja enquadrado nos limites estabelecido na LRF.
No caso do Rio Grande do Norte, o Estado deveria ter fechado 2023 comprometendo com a folha de pessoal 54,01% da Receita, mas fechou em 56,94%. Já em 2024, o comprometimento deveria ter caído para 53,45%, mas, ao contrário, subiu para 57,56%.
Este ano, a governadora Fátima Bezerra sancionou a lei complementar 778 que estabelece reajuste anual para os servidores a partir de 2026 com base no IPCA. A medida foi aplaudida pelos servidores e passou sem problemas na Assembleia Legislativa. Mas, de acordo com o secretário de Administração, Pedro Lopes, enquanto o Estado estiver acima do limite da Lei de Responsabilidade Fiscal, a aplicação automática do IPCA dependerá do cumprimento das metas do programa de Equilíbrio Fiscal para gasto com pessoal ou o crescimento da despesa com pessoal naquele ano não pode superar 80% do crescimento da receita corrente líquida.
Pelo visto, ainda serão muitos anos com a folha comprometendo quase toda as receitas e limitando os investimentos estatais.