Do Blog do Dina
Quanto custa levar uma delegação de empresários e dirigentes sindicais para 14 dias na China? É o que quer saber os associados que irrigam os cofres da Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Norte (FIERN) e que procuraram o Blog do Dina para reclamarem que o que veem nos feeds do Instagram mais parece viagem de férias do que de negócios. Paga, reforçam, com dinheiro das contribuições dos sindicatos patronais. A Fiern foi procurada para esta reportagem, mas a assessoria de imprensa informou que só o presidente poderia falar, no retorno da China. A viagem ocorre entre 13 e 27 de outubro.
O silêncio sobre custos, participantes e resultados da missão a Guangzhou contrasta com o discurso da própria FIERN, que costuma cobrar “transparência” e “gestão eficiente” do poder público. Nas redes sociais e em matérias institucionais, a entidade defende “austeridade” e “corte de gastos” do governo, mas não aplica os mesmos princípios a si mesma.
O portal de transparência da FIERN (transparencia.fiern.org.br) está inacessível. Tentativas de acesso ao longo do dia hoje resultam em erro de conexão. No site principal, não há publicação de gastos institucionais, orçamento anual ou prestação de contas pública. A FIERN, no entanto, está legalmente obrigada a prestar contas ao Tribunal de Contas da União por receber contribuições parafiscais — recursos compulsórios pagos pelas empresas.
O que se sabe (e o que não se sabe)
A missão à China teve como destino Guangzhou, onde ocorreu a Canton Fair, maior feira de comércio do país asiático. A comitiva visitou a fábrica da BYD, em Shenzhen, e a Guangdong Rifu Packaging Intelligent Equipment (Rifu Packing Machinery), em Guangzhou.
No site institucional da Federação, há a notícia da feira e de visitas a uma indústria. “Mas saíram daqui para fazer isso? Esperávamos coisas concretas como parcerias firmadas”, afirmou ao blog sob reserva um empresário associado a um dos sindicatos patronais.
Em um dos stories publicados por um dos participantes há a informação de que 38 lideranças estavam no grupo. Conforme o blog apurou, os custos da viagem são subsidiados entre 60% e 70% pela Fiern. Os dirigentes levaram suas esposas e os custos seriam à parte.
O custo total? Não divulgado. A fonte de financiamento? Não divulgado. Resultados concretos, como acordos comerciais ou memorandos de entendimento? Nenhum anunciado.
As matérias publicadas pela FIERN limitam-se a mencionar “possibilidades de parcerias”, “estabelecimento de contatos” e “conexões”, sem detalhar o que isso significa na prática.
Enquanto isso, a indústria potiguar…
Enquanto a FIERN percorria estandes na China, a indústria do Rio Grande do Norte enfrenta dificuldades concretas. Segundo dados da própria federação, a produção industrial potiguar moderou crescimento em setembro. A confiança do setor subiu em 21 segmentos, mas “o avanço ainda não reverte a tendência de baixa”, segundo matéria publicada no site da FIERN.
A reportagem questionou como a entidade justifica o investimento em missões internacionais diante das dificuldades do setor produtivo local, mas não obteve resposta.
Representatividade questionável
Outro ponto nebuloso é a representatividade da FIERN. Segundo o Atlas da Indústria Potiguar, divulgado pela própria entidade em janeiro, o RN tem 11.626 indústrias registradas. Quantas são filiadas à FIERN? A entidade não divulga.
Fontes do setor apontam para cerca de 600 empresas associadas aos 30 sindicatos vinculados à FIERN — menos de 5% do total. A reportagem questionou o número exato, mas não obteve resposta.
Se os números estiverem corretos, a FIERN representa uma pequena fração da indústria potiguar, mas recebe contribuições compulsórias de todas as empresas do setor. E não presta contas públicas sobre como gasta esses recursos.
O contraste com SESI e SENAI
Enquanto a FIERN mantém sigilo sobre gastos, as entidades vinculadas — SESI-RN e SENAI-RN — têm portais de transparência ativos, com publicação de contratos, licitações, balanços e prestação de contas ao TCU. Ambas conquistaram o “Selo Verde” de eficiência contra fraudes e corrupção.
Por que a entidade-mãe não segue o mesmo padrão? A reportagem questionou, mas não obteve resposta.
Duas missões, nenhum resultado divulgado
A viagem à China foi a segunda missão internacional com participação da FIERN em 2025. Em fevereiro, o presidente Roberto Serquiz integrou missão da CNI aos Estados Unidos para tratar do “tarifaço” — aumento de tarifas sobre produtos brasileiros.
Em menos de oito meses, a FIERN participou de missões aos Estados Unidos e à China — justamente as duas potências em disputa geopolítica global. Em fevereiro, buscava “clemência” dos americanos. Em outubro, buscava “inspiração” nos chineses. A reportagem questionou a estratégia, mas não obteve resposta.
TCU pode ser acionado
A FIERN está sujeita à fiscalização do Tribunal de Contas da União por força da Lei 8.443/1992, artigo 5º, inciso V, que estabelece jurisdição do TCU sobre “entidades dotadas de personalidade jurídica de direito privado que recebam contribuições parafiscais e prestem serviço de interesse público ou social”.
Qualquer cidadão pode fazer representação ao TCU sobre possíveis irregularidades. A ausência de transparência sobre gastos com recursos parafiscais é um dos motivos que podem fundamentar representações.
Em 2024, o TCU identificou irregularidades em auditorias no Sistema S, incluindo contratação indevida de parentes, conflitos de interesse e contratação de empresas de dirigentes. As entidades foram notificadas a adotar medidas corretivas. No Rio Grande do Norte, o Senac, da Fecomércio, caiu na auditoria.
O que diz a FIERN
Procurada, a assessoria de imprensa da FIERN respondeu que o porta-voz da instituição, o presidente Roberto Serquiz é quem deverá se manifestar. Foram enviadas 23 perguntas sobre custos, participantes, financiamento, resultados, transparência, prestação de contas e representatividade.
PS do Blog NaHoraH : Segundo um funcionário da entidade com muitos anos de serviço prestados foram 68 pessoas na comitiva da entidade à China