A atual discussão envolvendo a possível cassação do mandato da vereadora Brisa Bracchi (PT), acusada de uso irregular de verbas oriundas de emendas parlamentares impositivas, reacende um debate sobre a ausência de uma legislação específica que discipline de forma clara a destinação, a execução e a prestação de contas desses recursos em Natal.
Atualmente, a Lei Orgânica do Município apenas prevê a obrigatoriedade da execução de emendas parlamentares no montante correspondente a 2% da receita tributária realizada no exercício anterior. Isso significa no ano de 2025 cerca de R$ 1 milhão para cada um dos 29 vereadores destinarem para seus redutos eleitorais, geralmente atendidos com o pagamento de festas e eventos. No entanto, não há no município um marco legal que regulamente os critérios de aplicação, os procedimentos de controle e os deveres de transparência vinculados a essas emendas.
Hoje, essas emendas entram direto na mesma rubrica do Orçamento Geral do Município (OGM), se misturando com outras despesas de cada secretaria. Na prática, ninguém sabe exatamente como cada centavo é gasto – nem os parlamentares, nem o controle interno, nem a sociedade.
A execução tem ocorrido de maneira precária, carecendo de normas que garantam segurança jurídica para os gestores e ordenadores de despesa. A própria vereadora Brisa Bracchi destinou à secretaria de Cultura R$ 450 mil para a realização e promoção de apresentações artísticas e culturais que serão especificadas durante o ano de 2025, conforme está publicado no Diário Oficial do Município.
A vereadora Camila Araújo (União) foi no mesmo caminho e destinou R$ 440 mil para “realização e promoção de apresentações artísticas e culturais a serem indicadas pela parlamentar propositora”; outros R$ 220 mil para “construção de equipamentos para a prática de esporte e lazer a serem indicadas pela parlamentar propositora” enfim quase todas as emendas destinam recursos genericamente para posterior indicação de qual o evento ou local irá receber o benefício sem nenhuma transparência.
O vereador Hermes Câmara (Cidadania) mandou R$ 401 mil para a secretaria de Esporte e Lazer garantir a execução dos Projetos que necessitam de custeio para a realização de eventos “que serão indicados pelo nosso mandato. O detalhe é que hoje ele é o secretário da SEL.
O ex-vereador Milklei Leite foi ainda mais longe. Ele destinou R$ 300 mil para a realização do Apresentação Folia, evento no bairro Nossa Senhora da Apresentação, cujas apresentações musicais seriam “especificadas posteriormente”.
Já a ex-vereadora Margarete Régia destinou diversas emendas para a Casa Talento e a divulgação do método Suzuki, A casa tem entre os diretores Marcondi Lima, irmão da ex-vereadora.
Os partidários da vereadora petista passaram a atacar os outros vereadores que destinam emendas para eventos com o cunho político escancarado ou disfarçado e focaram especialmente na vereadora Nina Souza (União) por ser esposa do prefeito Paulo Freire e ter destinado emendas para uma festa junina da Semtas, secretaria que dirige, especificamente no restaurante Tábua de Carne, sem qualquer instrumento de seleção para a escolha do local que receberia o dinheiro público.
Esses são apenas alguns exemplos. Mas quase todos os vereadores destinam os recursos para atender grupos ou redutos eleitorais, o que problema é que não há qualquer transparência sobre a utilização desses recursos.
Essa lacuna normativa expõe o município a riscos de questionamentos jurídicos e à possibilidade de práticas administrativas equivocadas e deixa os secretários sujeitos a uma série de questionamentos dos órgãos de controle pela falta de transparência e direcionamento na destinação de recursos públicos.
O cenário também contrasta com o entendimento consolidado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que, em recentes decisões, fixou parâmetros e critérios obrigatórios para a execução de emendas impositivas no âmbito federal, exigindo transparência, proporcionalidade e responsabilidade na destinação dos recursos públicos.
Especialistas em gestão pública alertam que isso cria espaço para direcionamento político do dinheiro: na maioria das vezes, os recursos acabam sendo usados para beneficiar os próprios redutos eleitorais dos vereadores, isso sem falar nas contratações direcionadas.
Enquanto isso, milhões circulam sem controle e casos como o de Brisa apenas expõem a ponta do iceberg de um problema que afeta toda a Câmara de Natal.