Em um ano marcado por alertas de restrição fiscal em todo o país, a Prefeitura de Natal sancionou a Lei Complementar nº 267/2025, que cria o Plano de Cargos, Carreiras e Vencimentos (PCCV) dos servidores da Assistência Social (SUAS). A chamada carreira SUAS era uma reivindicação de muitos anos dos servidores da assistência social e amplia direitos e reestrutura funções.
A sanção soma-se a uma série de medidas recentes de valorização do funcionalismo municipal. Desde o início de 2025, a gestão já havia concedido reajuste aos professores da rede municipal, aprovado a revisão salarial da Guarda Municipal e reajuste o chamado Plano Geral do funcionalismo municipal que atinge aqueles servidores que não tem um plano de carreiras próprios.
O conjunto dessas ações mostra uma gestão interessada em valorizar os servidores, mas também levanta uma questão central: até que ponto há espaço fiscal para sustentar novos compromissos sem comprometer o ritmo dos investimentos públicos?
Margem fiscal
Segundo o balanço financeiro publicado pela própria Prefeitura, o ex-prefeito Álvaro Dias encerrou o mandato de 2021-2024 com 43% da Receita Corrente Líquida comprometida com despesas de pessoal — índice bem abaixo do limite de 54% previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
Esse resultado criou folga orçamentária suficiente para absorver os reajustes concedidos neste primeiro ano da nova gestão. Ainda assim, especialistas apontam que o cenário nacional exige cautela, já que a tendência é de crescimento mais lento da arrecadação e de maior pressão sobre o custeio, conforme projeções da Frente Nacional de Prefeitas e Prefeitos (FNP).
O Novo Ciclo de Contenção
O anuário Multi Cidades – Finanças dos Municípios do Brasil, publicado pela FNP, indica que os prefeitos eleitos para o período 2025-2028 terão de administrar um ciclo de “menos receita e mais gasto”. Após quatro anos de crescimento expressivo das receitas impulsionado pelos repasses federais durante a pandemia e pela retomada econômica, as finanças municipais agora enfrentam desaceleração da arrecadação e aumento das despesas obrigatórias.
Entre os fatores de pressão estão a ampliação da faixa de isenção do Imposto de Renda, que reduz o IRRF recolhido pelos municípios, a recomposição salarial de categorias do serviço público e o crescimento dos gastos com dívida, que subiram mais de 23% em 2024.
A economista Tânia Villela, da Aequus Consultoria, alerta que “os prefeitos deste mandato precisam acompanhar com atenção o comportamento das receitas e conter o crescimento do custeio para não comprometer a capacidade de investimento e a sustentabilidade fiscal”.
Com a desaceleração da economia e a perspectiva de menor crescimento das receitas municipais, o cenário para os próximos anos tende a ser de orçamentos mais apertados e menor espaço para expansões salariais.
De acordo com levantamento da Frente Nacional de Prefeitas e Prefeitos (FNP), o ciclo de bonança que marcou as finanças municipais entre 2021 e 2024 chegou ao fim. O período foi caracterizado por receitas em alta, impulsionadas por repasses extraordinários da União e sobras de caixa acumuladas durante a pandemia, o que permitiu ampliar políticas sociais, realizar obras de infraestrutura e modernizar gestões. O ambiente favorável ajudou a consolidar uma taxa recorde de reeleição: 81% dos prefeitos que disputaram novo mandato em 2024 foram reconduzidos ao cargo, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e da Confederação Nacional dos Municípios (CNM).
Mudança no quadro
Mas o quadro mudou rapidamente. Em 2024, as receitas e despesas municipais praticamente se igualaram — R$ 1,298 trilhão contra R$ 1,297 trilhão, respectivamente — e a sobra de caixa livre despencou de R$ 82,4 bilhões em 2022 para R$ 27,3 bilhões dois anos depois. A partir de 2025, o cenário se torna ainda mais desafiador, com a desaceleração da economia.
Segundo o Boletim Focus do Banco Central, o PIB deve crescer apenas 2,2% em 2025, após médias entre 3% e 3,4% entre 2022 e 2024. A inflação (IPCA) projetada está em torno de 5,2%, o que reduz o poder de compra das transferências constitucionais e pressiona os custos de custeio e pessoal das prefeituras. Em levantamento da Aequus Consultoria, no primeiro semestre de 2025 a receita corrente líquida dos municípios cresceu apenas 1,2% frente ao mesmo período do ano anterior, muito abaixo dos 12,4% registrados entre 2023 e 2024. Segundo o Tesouro Nacional, esse arrefecimento reflete a perda real do FPM e a desaceleração das transferências do ICMS e do ISS, especialmente em cidades médias e grandes.
“Os prefeitos e secretários deste mandato devem ficar atentos aos riscos de perdas de receitas, como essa do IRRF, à evolução das atuais receitas e, principalmente, devem monitorar as despesas, sobretudo o forte crescimento dos custeios e as pressões por reajustes salariais e implementação de novos pisos salariais para novas categorias de servidores”, observa a economista Tânia Villela. Ela lembra que, além dos impactos do novo piso da enfermagem e das negociações para ampliar o piso do magistério, outros setores começam a demandar revisões salariais baseadas na recomposição inflacionária acumulada desde 2020. “O ciclo de valorização dos servidores é importante, mas precisa vir acompanhado de ganhos de eficiência e revisão de contratos e gastos correntes. Caso contrário, o espaço fiscal que hoje existe pode desaparecer rapidamente”, alerta.
No caso de Natal, a boa posição fiscal herdada permitiu à nova gestão abrir 2025 com medidas de valorização funcional; a questão, agora, é manter o equilíbrio entre responsabilidade fiscal e compromissos assumidos com o funcionalismo.