O esquema de desvios de verbas oriundas de emendas parlamentares voltou a expor a fragilidade do sistema de controle desses recursos no Brasil. Relatório da Controladoria-Geral da União (CGU) aponta que R$ 3,8 milhões destinados ao Ministério da Mulher por meio de emenda do ex-deputado federal Professor Jozimar (Patriota) abasteceram um evento inexistente em uma igreja no Rio de Janeiro. As apurações deram origem à Operação Kibali, deflagrada nesta semana pela Polícia Federal.
O dinheiro deveria financiar cursos de formação profissional para mulheres e adolescentes em áreas como informática básica e design gráfico. No entanto, auditores da CGU que estiveram in loco não encontraram qualquer indício de realização das atividades contratadas. Um dos endereços informados era a Igreja Ministério Apostólico Resgate (MAR), cujo pastor aparecia como instrutor contratado por uma empresa subcontratada pelo Instituto de Desenvolvimento Social e Humano do Brasil (uma das OSs que disputam a concorrência para administrar as UPAs de Natal) — entidade que recebeu a verba.
O relatório da CGU revela ainda que a contratação foi direcionada: a empresa do pastor, que tinha como sócia uma integrante do próprio instituto, venceu um processo de seleção no qual também participou uma firma ligada a um ex-assessor de Jozimar, alvo de buscas da PF. O modelo mostra como a teia de interesses pessoais e políticos se entrelaça para dar aparência de legalidade a contratos suspeitos.
A então ministra da Mulher, Damares Alves (Republicanos), foi quem levou o caso à CGU, apontando irregularidades nos convênios. Segundo ela, a pasta realizou apurações internas que resultaram na devolução de mais de R$ 1 milhão aos cofres públicos. Hoje senadora, Damares não figura como alvo da operação policial.
O episódio reforça um padrão recorrente no uso de emendas parlamentares: recursos vultosos, liberados sob o argumento de atender políticas públicas essenciais, acabam capturados por esquemas que envolvem entidades de fachada, empresas de amigos e aliados políticos, e até instituições religiosas. Esse ciclo se repete em diferentes áreas da União e escancara a dificuldade do Estado brasileiro em fiscalizar, de forma preventiva, o uso das emendas que se transformaram em uma das principais moedas de barganha no Congresso Nacional.