O comércio brasileiro atravessa uma contradição que desafia empresários e trabalhadores: ao mesmo tempo em que há milhões de pessoas desempregadas, faltam profissionais para preencher vagas em funções estratégicas do setor. As prateleiras estão abarrotadas de produtos, mas os balcões e sistemas de atendimento sofrem com a ausência de mão de obra qualificada.
Um levantamento recente mostrou que 57 das 100 principais funções do varejo estão com escassez de profissionais. A lista vai de operadores de telemarketing a analistas de negócios e profissionais de logística. Em comum, todas essas funções exigem habilidades técnicas e digitais que boa parte da mão de obra disponível não possui.
Esse descompasso ajuda a explicar por que o Brasil pode conviver, ao mesmo tempo, com quase 6 milhões de desempregados e um setor inteiro em busca de gente. Não é a falta de pessoas, mas a falta de pessoas com as competências necessárias.
O fenômeno já pressiona salários e aumenta os custos de operação das empresas. Para atrair e reter funcionários, muitas redes têm oferecido bônus por qualidade do serviço, vale-alimentação em dobro e contratos de trabalho mais flexíveis, como os de horistas. Mas, mesmo com incentivos extras, as vagas continuam sobrando.
Em 2023, o comércio empregava 10,5 milhões de trabalhadores e abriu 56 mil novas vagas em 2024. O ritmo é forte, mas insuficiente para acompanhar a transformação digital do setor, que hoje exige profissionais com conhecimentos em atendimento multicanal, integração de sistemas, análise de dados e logística avançada.
O impacto vai além das empresas: um varejo sem mão de obra suficiente perde produtividade, encarece suas operações e, inevitavelmente, tende a repassar os custos ao consumidor final. Isso significa risco de preços mais altos e menor competitividade.
Os números do setor de serviços ajudam a dimensionar o tamanho desse mercado. Segundo a Confederação Nacional de Serviços (CNS), ele já responde por 57% dos empregos formais do país. São 31,6 milhões de postos de trabalho em um universo de 55,6 milhões.
De janeiro a maio de 2025, o setor abriu 682 mil novos empregos — 333 mil em empresas e 118 mil nos serviços voltados às famílias. Os serviços de transportes somaram 107 mil vagas no período, enquanto os de informação criaram outras 31 mil.
O rendimento médio também chama atenção. No primeiro trimestre de 2025, o salário no setor foi de R$ 4.153,78 — valor 14,9% superior ao da média da economia e 18,9% maior que o da indústria de transformação. Um sinal claro de que, onde há mão de obra disponível e qualificada, há também espaço para valorização.
No faturamento, a força do setor se repete. No acumulado até março de 2025, o crescimento foi de 7,5% em comparação ao mesmo período de 2024. O consumo se mantém aquecido e o segmento segue sendo motor de geração de riqueza.
Ainda assim, os bons números escondem a fragilidade. O avanço depende cada vez mais da digitalização e da transformação do modelo de negócios. Se não houver qualificação em escala suficiente, as oportunidades vão se transformar em gargalos, travando a expansão de um setor que responde por 1 em cada 5 empregos formais no Brasil.