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Jean Paul, Rogério, Natália e a tal MP 871

A guerra de narrativas travada entre o governo petista e a oposição bolsonarista sobre de quem a culpa nos descontos ilegais de aposentados e pensionistas do INSS segue no Brasil e vai muito além dos fatos.

A nova batalha travada nesse campo é sobre uma medida provisória editada em 2019, no governo Bolsonaro, que, como disse o senador Rogério Marinho (PL), na época secretário da Previdência Social, previa a revalidação anual da autorização para que fossem feitos os descontos na folha.

Ele alega que os deputados de esquerda, à frente o PT, focaram em acabar com essa revalidação para beneficiar sindicatos ligados ao partido. Já a deputada Natália Bonavides (PT) disse esta semana que a MP 871 não tratava desse tema e sim de tirar “direitos dos trabalhadores”.

Afinal, quem tem razão?

Para responder a essa pergunta não tem jeito. Lá vai textão. 

A discussão sobre a obrigatoriedade de revalidação periódica das autorizações de desconto em benefícios previdenciários ganhou destaque durante a tramitação da Medida Provisória nº 871, de 2019, que posteriormente foi convertida na Lei nº 13.846/2019. A obrigatoriedade de revalidação periódica foi introduzida na MP para modificar a lei de 1991 que permite a celebração de Acordos de Cooperação Técnica (ACTs) entre associações e o INSS. O objetivo da revalidação era coibir fraudes em descontos indevidos em benefícios previdenciários Foram apresentadas 16 emendas com o objetivo de suprimir a revalidação anual, das quais 14 sugeriam o prazo de 60 meses para a revalidação, ou seja, cinco anos.

Entre essas emendas, a de número 539, foi apresentada pelo então senador Jean Paul Prates (PT-RN), alegando a complexidade operacional envolvida e o respeito à autonomia das entidades associativas e que a exigência de revalidação anual, como prevista no texto original da MP editada pelo governo Bolsonaro, tornaria praticamente inviável a gestão dos descontos das mensalidades associativas, dada a alta rotatividade de autorizações e a capacidade administrativa limitada dessas organizações.

Em viagem à Inglaterra, o ex-senador Jean Paul mandou esta mensagem ao blog em resposta à indagação sobre o objetivo dessa emenda e suas consequências: "Na ocasião, essa MP não visava especificamente combater fraudes, e sim criar inúmeras dificuldades para beneficiários e criar possibilidades para suspender sumariamente os benefícios dos aposentados e pensionistas numa especie de mini reforma ou apêndice da Reforma da Previdência. Naquele momento, houve um esforço da bancada para evitar a retirada completa de benefícios de empregados vinculados a sindicatos. Muito provavelmente, essas emendas foram propostas com o objetivo de garantir que os sindicatos honestos pudessem continuar em atividade — e não para favorecer qualquer grupo irregular", justifica. 

Ele se diz favorável às investigações sobre o assunto: "Evidentemente que a minha posição é peremptoriamente a favor de todas as investigações em todos os períodos de tempo necessários para apontar os fraudadores e comprovar sua atuação criminosa contra os beneficiários do INSS. E a favor de controle rígido, não apenas sobre a prova de manifestação legítima de vontade quanto a descontos, quanto sobre a atuação das entidades conveniadas".

Prazo de três anos

Apesar das muitas emendas passando o prazo para cinco anos, o texto final aprovado no Congresso, sob relatoria do deputado Paulo Eduardo Martins (PL-PR), fixou o prazo da revalidação em três anos, contados a partir de 31 de dezembro de 2021, como resultado de um acordo costurado com apoio de vários partidos — incluindo o PL, legenda do então presidente Jair Bolsonaro. A votação ocorreu de forma simbólica, o que impossibilita identificar nominalmente quais deputados votaram a favor, mas há registros de que todos os partidos orientaram suas bancadas pela aprovação do texto, o que inclui os parlamentares do PL e do PT.

Esquerda mudou e Bolsonaro sancionou

O texto final foi submetido ao Planalto e o presidente Bolsonaro sancionou a lei sem vetos, até porque era fruto de um acordo e o presidente, como todos os presidentes, precisa muitas vezes se compor como Congresso. 

A Medida Provisória era de fato muito ampla e altera diversas leis, iniciando, de certa forma, uma reforma no sistema de concessão de benefícios da Previdência Social. A Lei nº 8.009, de 29 de março de 1990, por exemplo, foi alterada para permitir que os bens de família possam ser penhorados para cobrança de crédito decorrente de benefício previdenciário recebido indevidamente por dolo, fraude ou coação. Na Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, foram modificados dispositivos referentes ao pagamento de pensão por morte dos servidores públicos. Também acabou com o pagamento do auxílio reclusão para quem já estava cumprindo pena no semiaberto.

As principais críticas da esquerda surgiram especialmente em relação à tentativa de dificultar a obtenção da aposentadoria rural. A deputada federal Natália Bonavides (PT-RN), por exemplo, fez discurso na Câmara no qual se posicionou veementemente contra o texto original da MP 871, especialmente por presumir má-fé e dificultar o acesso à aposentadoria rural, e apoiando a mobilização popular no Rio Grande do Norte, onde mais de 80 sindicatos ligados à FETARN e FETRAF participaram de uma audiência pública sobre o tema, convocada pelo deputado estadual Francisco do PT.

Com o passar do tempo, a regra que exigia a revalidação trienal também passou a ser questionada. Em 2022, durante a tramitação da MP nº 1.107/2022, que originalmente tratava do Programa de Simplificação do Microcrédito Digital, a exigência de revalidação foi revogada por emenda inserida no relatório da senadora Margareth Buzetti (PP-MT). Essa medida extinguiu qualquer prazo de revisão para os descontos associativos, retomando, na prática, a validade indeterminada da autorização de desconto firmada pelo beneficiário do INSS.

Votação simbólica

A MP 1.107/2022 foi convertida na Lei nº 14.438, de 24 de agosto de 2022, sem grandes resistências. Assim como no caso da MP 871, a votação também foi simbólica, com orientação unânime dos partidos para aprovação. A revogação da regra foi incluída discretamente nos últimos artigos da medida, sem maior debate sobre o tema.

Agora, a guerra das narrativas é para ver em qual governo aumentaram os descontos irregulares. Os dados da própria Controladoria Geral da União mostram que os descontos que no último ano do governo Bolsonaro, 20220, chegaram a R$ 700 milhões, passaram em 2024 a R$ 2,6 bilhões. 

Se for mesmo instalada a CPMI será bom para, além das narrativas,  esclarecer o que de fato interessa: quem ficou com o dinheiro desviado e se beneficiou algum  político ou partido.

Aguardemos os próximos episódios.


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Heverton de Freitas