Na tradição islâmica, a Mão de Fátima, também conhecida como Hamsá, é usada como proteção contra mau-olhado e energias negativas e representa virtudes como a benção. No Processo de Eleições Diretas do PT no Rio Grande do Norte, a mão de Fátima, não a filha do profeta, mas a Bezerra, foi uma benção para a chapa formada pela deputada Isolda Dantas e pela vereadora Samanda Alves. O resultado da disputa foi uma vitória substancial da governadora Fátima Bezerra e seu grupo dentro do PT. Esse foi o primeiro PED desde a Lava Jato que levou vários dirigentes à cadeia com a crise instalada dentro da legenda.
Aqui no RN, o resultado não traz grandes mudanças de rumo em relação ao que o partido desenha para 2026, ao menos no primeiro turno. A candidatura de Fátima Bezerra ao Senado seria garantida qualquer que fosse o resultado do PED, mas uma vitória do grupo mais ligado aos deputados Mineiro e Natália poderia ter implicações na formação das chapas proporcionais e também no posicionamento do partido num eventual segundo turno.
O resultado, no entanto, deixou mágoas entre os parlamentares que defendem a governadora com unhas e dentes e esperavam uma postura mais equilibrada na atuação dela dentro do PED, mas viram a participação ativa da governadora e do governo agindo diretamente no resultado eleitoral.
Durante muitos anos, o grupo de Mineiro foi majoritário nos diretórios estadual e de Natal da legenda e o resultado prático foi, por exemplo, o embate sobre os caminhos a adotar num segundo turno nas eleições de 2012 em Natal em que o grupo majoritário foi contra alianças com o então candidato Carlos Eduardo e depois chegou a ameaçar expulsar dois fundadores do PT como Virginia Ferreira e Crispiniano Maia que assumiram secretarias municipais contra a orientação partidária que foi de um “apoio crítico” a Carlos Eduardo no segundo turno contra Hermano Moraes.
Nas eleições do ano passado, essa disputa também se manifestou em São Gonçalo do Amarante, onde o então prefeito Eraldo Paiva, se ressentiu de um apoio mais expressivo, inclusive em termos financeiros, do partido, hoje presidido pelo ex-deputado Junior Souto, também ligado a Fátima.
Lá, ele disputou com o atual prefeito Jaime Calado (PSD), que havia sido secretário de Fátima e é casado com a senadora Zenaide Maia de quem Fátima ainda espera o apoio nas eleições de 2026. Por isso, dizem os mais ligados a Eraldo, Fátima não se envolveu na disputa e ainda dificultou a vida do correligionário historicamente ligado a Mineiro e que depois da derrota esperava um espaço político na gestão estadual como aconteceu com outros prefeitos petistas que deixaram o mandato, mas acabou fora da administração estadual.
As vitórias eleitorais que levaram Fátima Bezerra a estar exercendo o segundo mandato de governadora, depois de ter sido senadora e deputada federal, e sua capilaridade em todo o interior e o engajamento dela foram decisivos para a vitória da chapa Coragem e Esperança, que obteve cerca de 60% dos votos.
A diferença é que hoje a disputa não é por estratégias, táticas ou diferenças ideológicas, mas pelo poder político e, por conseqüência, financeiro da legenda e o direcionamento desse poder na hora da definição das chapas proporcionais.
Disputa nacional
Na disputa nacional, a Corrente Construindo um Novo Brasil, amplamente majoritária nacionalmente, se dividiu no começo, mas acabou fechada com a candidatura do ex-ministro Edinho Silva, extra oficialmente o candidato do presidente Lula. Também foram registradas as chapas de Rui Falcão, da corrente Novo Rumo, Romênio Pereira, do Movimento PT e Valter Pomar, da Articulação de Esquerda, mesma corrente da deputada Natália Bonavides que no RN se alinhou ao deputado federal Fernando Mineiro e apoiou a chapa encabeçada pela deputada estadual Divaneide Basílio.
A eleição nacional não foi conclusiva devido a uma decisão judicial que suspendeu o processo eleitoral em Minas Gerais, mas a disputa mostrou que estão em jogo os rumos do PT em 2026. Não que haja qualquer divergência quanto à candidatura de Lula à reeleição, mas quanto aos rumos do partido.
O historiador Valter Pomar, por exemplo, fez um discurso mais voltado às raízes mais radicais do partido. Quando esteve em Natal, ele falou que o partido enfrenta uma encruzilhada entre ir para a direita ou para a esquerda. “Ir para a esquerda significa enfrentar o capital financeiro, o agronegócio, a extrema direita, a direita neoliberal, a maioria que no Congresso quer roubar o voto do povo”.
Mas no fundo da disputa também estão os milhões do fundo eleitoral que cada partido tem direito atualmente. Pomar fez na sua passagem por Natal durante a campanha duras críticas ao que chamou de controle do partido pelos parlamentares e defendeu que o fundo eleitoral seja de fato controlado pelo partido e não por quem está “segurando a campanha”.
É difícil entender esse processo do PT para quem está acostumado aos processos de escolha dos dirigentes de outros partidos, geralmente decidido em gabinetes de acordo com a conveniência e a força eleitoral do político que pleiteia o controle local da legenda. Mas é assim desde que o PT surgiu nos anos 80 num aglomerado de tendências e movimentos que tinham em comum a luta contra a ditadura militar.
A diferença é que hoje a disputa não é por estratégias, táticas ou diferenças ideológicas, mas pelo poder político e, por conseqüência, financeiro da legenda e o direcionamento desse poder na hora da definição das chapas proporcionais.